Relato de necrópsia... curiosidades

Olá,

Mais por curiosidade lembrei-me de colocar aqui um pequeno relato de um caso que nos chegou esta semana e do qual fiz necrópsia. Não sendo um relatório ou linguagem técnica acho interessante pela situação da qual aguardamos exames complementares e para exemplificar o processo de necrópsia em si numa ave de pequeno porte.

Tratava-se de uma canária que apresentava um quadro arrastado de pouca actividade, alteração de plumagem, em embolar que durou cerca de 2 meses. Existiram outros casos embora pouco frequentes no efectivo do criador. Além destes sintomas, foram tentados vários tratamentos com antibióticos sem resposta ou melhoria, assim como suporte vitaminico e mineral, igualmente sem resultados.
Nesta situação o cadáver apresentava sinais dessas alterações de plumagem e de circulação, bem como estado de magreza com extremidades azuladas, o que indicaria alterações de circulação.

Após rebatimento dos membros e observação dos nervos ciáticos que não apresentavam alteração macroscópica visível, na abertura da cavidade celómica observaram-se sacos aéreos de aparência normal, sem turvação.

O rebatimento da parede abdominal permite observar além dos sacos aéreos abdominais a posição geral das visceras. Nota-se de imediato um aspecto hemorrágico do duodeno e a presença de gordura intra-abdominal, consistente com o quadro arrastado descrito pelo criador do qual resulta um emagrecimento progressivo mas com morte súbita.
Na abertura completa da cavidade toracoabdominal é possível observar os sacos aéreos craniais, igualmente de aspecto normal. Na continuação da abertura o coração e figado. O figado apresentava algumas lesões nodulares esbranquiçadas, circulares, pequenas e dispersas por ambos os lóbulos. Após remoção do figado são visíveis o mesmo tipo de lesões no coração na região auriculo-ventricular.
Além do duodeno hemorrágico, observa-se um marcao aumento da dimensão do baço (o normal seia ter cerca de 1-2mm) com um eixo maior de 1,5cm. Também foi assinalada uma congestão ligeira do proventriculo.
Perante este quadro foi preferido recolher a totalidadedas visceras para exame complementar de histopatologia (observação das alterações ao nível celular), assim como dos membros posteriores para observação microscópica das estrutura nervosas (ciático).
Tendo sido recolhido algum conteúdo intestinal (sangue no ID e fezes no IG) foi feito o exame parasitológico sem resultados a assinalar.

Aguarda-se a confirmação dos resultados desses exames histopatológicos sendo a suspeita uma situação de enterite hemorrágica ou leucose aviária, ambas de origem viral. Não sendo particularmente graves nestas aves, achei curioso passar esta informação uma vez que normalmente recorre-se ao uso de antibióticos de forma pouco criteriosa quando em algumas situações não são adequados ou eficazes.

Tenho as fotos do processo mas não perdi tempo a colocar no tópico por serem um pouco pesadas e difíceis de interpretar, além de que não pedi autorização para isso ao criador.

Cumps.

Boa tarde.

Obrigado pela partilha. Muito interessante.
Aguardo o desenvolvimento e confirmação do diagnóstico!

Cumprimentos,
Bruno Silva.

Olá Ricardo,

Mais um tópico interessante:) 
Mesmo não sendo um especialista gostava de saber mais nesse campo..e nunca é demais aprender mais qualquer coisa.

Desde sempre fiz "necrópsias" ás minhas aves, claro que muitas das vezes não entendo bem a razão da morte da ave,é mais curisidade mas em algumas (poucas) consigo chegar a uma conclusão.

Dessas conclusões que já retirei de algumas aves que morrem nos meus viveiros,foram o ovo preso e engasgamento por excesso de alimento, não me morrem muitas aves, mas quando morrem gosto sempre de saber a razão. Até porque se soubermos as razões podemos evitar essas ditas mortes, ou pelo menos reduzi-las.

Provavelmente a maioria das mortes é sempre pelas mesmas razões (que desconhecemos)e saber isso seria um avanço importante para todos os criadores.

Ricardo se puderes gostava de ver as fotos...

Olá,

Bom post é pena não termos muitos veterinários especializados em aves para poderem fazer este tipo de trabalho quando temos uma doença não identificada e em que nada funciona.
Na altura em que se prepara as aves para o arranque das criações também seria muito bom poder analisar as fezes e ver se havia necessidade de algum tipo de tratamento especifico ou se estava tudo OK.

Normalmente fazemos o que nos indicam, mas nem sempre é o mais correcto ou aplicável na altura e por vezes surgem dissabores no decorrer das criações mas estamos em Portugal e esta é a realidade que temos.

Ola Ricardo,

Interessante o teu post, e que necessidade que há em termos veterinários especializados e aves de pequeno porte eventualmente evitavam-se alguns dissabores a nível de plantel.
Obrigado por partilhares.

Olá,

Em principio só dentro de mais uma semana devemos ter alguns resultados, mas quando souber alguma coisa logo actualizo.

Este é um dos problemas na medicina de aves de pequeno porte. Muitas vezes o tempo necessário para obter respostas (ou pelo menos suspeitas) não é compatível com o tempo de desenvolvimento da doença.
De qualquer forma, há algumas coisas que se podem ir fazendo. Além das análises mais ou menos regulares que nos permitem conhecer o estado do plantel e identificar alterações, as necrópsias podem ajudar muito a identificar problemas ou, mais não seja (porque algumas vezes são inconclusivas), a perceber o que é normal e anormal.

Mais do que uma discussão clinica do caso achei interessante colocar o tópico porque fala-se muito de tratamentos preventivos com isto e aquilo (por vezes com utilizações absurdas de medicamentos) e esquecemo-nos que a causa pode ser algo que nem sempre é o que achamos ser "normal".

Cumps.

Olá,

E chegado o diagnóstico, as hipóteses iniciais foram ao poste: Mycobacterium spp. Provavelmente M. avium como suspeito mais típico mas com outros agentes do mesmo complexo conhecidos em aves ornamentais.

Agora expliquem-me lá como é que se "previne" isto com os famosos tratamentos preventivos?
Sem possibilidade de confirmar se seria a causa primária ou não mas enquadrado nos sintomas de emagrecimento e perda de peso progressivo, dificuldades de formação plumagem...

Tenho que arranjar uma forma simples de colocar as fotos...

Cumps.

Obrigado pela partilha Ricardo, só mais uma coisa , como é que uma ave apanha essa coisa? lol
será que é muito comum? existem tratamentos?

Olá,

como é que uma ave apanha essa coisa?

Apanha como apanha outras "coisas". É uma bactéria daquelas que existem um bocadinho por todo o lado. Ao contrário do que normalmente se pensa, todos estamos expostos diariamente num contacto constante com estes e outros agentes. É sobretudo uma questão de equilíbrio entre a capacidade do sistema imunitário e os agentes com que contactamos.
Quando a frequência ou intensidade desse contacto supera a capacidade de resposta pode instalar-se uma doença. Claro que isto é apenas uma visão muito simplificada da coisa!!

será que é muito comum?

Sim é relativamente comum. Seja nos animais seja no ambiente, apesar de não ser daquelas mais "faladas". Aliás como disse estávamos à espera de outro tipo de agente.
A nível industrial existem planos de contenção e eliminação, até por existir algum potencial de transmissão ao homem, embora reduzido.

existem tratamentos?

Existem, mas não responde facilmente à maioria dos antibióticos. É uma bactéria com a particularidade de surgir no meio intracelular, ou seja, é capaz de viver "dentro" das células do organismo que infecta. Isso dificulta a acção dos antibióticos porque é preciso uma substância que em primeiro lugar entre dentro da célula e depois seja capaz de actuar sobre a bactéria em si.
E os testes de sensibilidade são chatos de fazer neste caso porque não é muito simples de fazer crescer em cultura de laboratório.
São normalmente tratamentos longos e algo complexos em termos dos princípios usados/associados. Dai ter colocado a questão sobre as prevenções.

Estamos neste caso a falar de um criador experiente, com noção do que faz.
Percebeu que tinha um quadro arrastado e que, muito pontualmente, algumas aves tinham esses sintomas pouco específicos. Esta ave, no meio das muitas que tem, foi para análise precisamente porque não respondia aos tratamentos normais. Para a maioria dos criadores estes seriam aqueles casos que não se percebem, não se explicam, não se tratam... E acabam por ser "ossos do ofício". De vez em quando lá aparece um ou outro, lá vai morrendo e quando lhes perguntamos está tudo dentro do normal.
Por isso é que costumo dizer que as "melhores" doenças de tratar são as que causam estragos a sério. Se morrem 20 aves numa semana a pessoa assusta-se, se morre 1 de 3 em 3 meses, nem liga mas o problema está lá.

A vantagem de irmos aumentando o número de análises feitas é esta. Aos poucos vai-se tendo uma noção do que anda por ai e alargando o quadro.

Cumps.

Nestes casos a prevenção é impossivel...ou então isola-se as aves de tudo... o que é impraticável.
É daqueles casos em que o problema está sempre presente. Só está à espera de reunir todas as condições para aparecer. É isto não é ?

Obrigada pela partilha Ricardo mais uma vez.

off-topic:
Ontem tive a ver textos teus com a minha filha (melhor criadora que o pai dela  ) de 2002.   Cumprimentos

Olá,

Basicamente é isso...
Está tudo bem até que por algum motivo a ave "baixa as defesas" e fica doente. Claro que em alguns casos o objectivo é remover por completo o agente do efectivo mas, na nossa realidade, isso é algo meramente teórico pois não temos os meios e controlo necessários para o conseguir.

2002?? Como se costuma dizer esses textos já devem ter barbas e no mínimo algumas coisas desactualizadas para não dizer alguns "disparates"!!
Se alguém souber onde se compra tempo que avise. Pode ser que finalmente consiga rever e actualizar as coisas...

Cumps.

Olá,

Só mais uma actualização...
Foi feita ontem um necrópsia de outra ave, de um criador diferente. Aguarda-se confirmação mas as lesões macroscópicas coincidem, particularmente esplenomegalia exuberante.
Falta outra necrópsia a uma ave do mesmo criador da primeira.
Vamos ver o que dá... mas  

Cumps.